Por: Gutierres Siqueira
"É pela cruz, só pela cruz, que Cristo chega à vida, à ressurreição, à vitória? Esse é justamente o tema maravilhoso da Bíblia que assusta a tantos: que o único sinal visível de Deus no mundo seja a cruz. Cristo não é arrebatado gloriosamente da terra para o céu, seu destino é a cruz. E precisamente lá onde está a cruz está próxima a ressurreição. Onde todos ficam desconcertados diante de Deus, onde todos se desesperam com Deus, é exatamente lá que Deus está bem perto e Cristo está vivamente presente. Onde a decisão entre a fidelidade e deslealdade está por um fio, está Deus e está Cristo por inteiro. Onde o poder das trevas quer violentar a luz de Deus, é lá que Deus triunfa e julga as trevas. Assim será também com o dia que Cristo prevê para sua comunidade. Os discípulos perguntaram pelo sinal de seu retorno depois de sua morte. Não se trata de um retorno único, é um retorno eterno. O fim dos tempos da Bíblia é todo tempo, é todo dia entre a morte de Cristo e o juízo final. É com tanta seriedade, com tanta determinação, que o Novo Testamento encara a morte de Cristo.
[1]"(Dietrich Bonhoeffer)A centralidade da cruz no cristianismo é evidente. Jesus disse que “quem não toma a sua cruz e não segue após mim não é digno de mim”(Mt 10.38). O apóstolo Paulo escreveu: “Nós pregamos a Cristo crucificado” (I Co 1.23) e ainda o doutor do gentios pregava o evangelho para que “a cruz de Cristo se não faça vã” (I Co 1.17). Paulo relata que só poderia se gloriar “na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu, para o mundo” (Gl 6.14). O apóstolo descreve, com lamentações, que há muitos “inimigos da cruz de Cristo” ( Fl 3.18) e descreve a paz vinda do sangue de Cristo derramado na cruz (Cl 1.20), e ainda em suas epístolas escreve que a salvação, mediante o concerto veterotestamentário, foi cravada na cruz (Cl 2.14).O autor aos Hebreus relata que há uma grande vitória na cruz de Cristo, pois “pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus”(Hb 12.2). O evangelho é desfrutado com suas aflições (II Tm 1.8), sendo que o discípulo “sofre como bom saldado de Jesus Cristo”(II Tm 2.3).Ser cristão é pregar a cruz, mas essa mensagem tem sido gradativamente abandonada nos púlpitos evangélicos. A temática da vez são pregações sobre vitória financeira, batalha espiritual para conquista de territórios, doutrina da prosperidade, confissão positiva, poder pelo poder chamado de reteté, adoração extravagante, avivamento extravagante etc.O sociólogo Ricardo Mariano, escrevendo academicamente sobre os neopentecostais, diz com muita sobriedade:Com o neopentecostalismo, portanto, a velha “mensagem da cruz”, discurso teológico que pregava o sofrimento terreno do cristão, caiu por terra e, sem qualquer compadecimento, foi sumariamente soterrada. Daí que, no cotidiano dos cultos e na vasta programação de rádio e TV dos neopentecostais, conhecer Jesus, ter um encontro com Ele e a Ele obedecer constituem, acima de tudo, meios infalíveis para o converso se dar bem nesta vida.
[2]As doutrinas centrais do cristianismo são sempre abandonadas em tempo de frieza espiritual. A teologia da cruz sumiu das homilias, pois sua mensagem não é de massagem para o ego. A depravação do homem é uma doutrina bíblica que a cada dia é esquecida, como se os únicos problemas do homem fossem dinheiro, crise sentimental ou “amarro” de entidades... Pecado foi substitutivo por “problemas”, onde todos podem ser resolvidos mediante “sacrifícios” de ofertas e dízimos. Mediante o que se ouve é necessário discernimento, como escreve o teólogo Erwin Lutzer:Os cristãos discernentes testarão os mestres, profetas e evangelistas pela clareza com que pregam o evangelho da cruz. E se o evangelho estiver torcido ou for ignorado, podemos estar bastante seguros de que estamos diante de um mestre que não deve ser seguido. Pois só a cruz, corretamente compreendida, pode nos levar à casa do Pai.
[3]A mensagem da cruz não é palpável para o homem e o cristão pós-moderno, pois hoje todos andam sob uma pressão de ser os melhores, os invencíveis, os super-crentes. Pessoas que precisam de tudo e desfrutar de todas as novidades e no contexto eclesiástico precisam de saúde plena e prosperidade batendo nas portas, pois é assim que sua espiritualidade é medida. Mas Jesus convida cada um para tomar sua cruz e segui-ló, pois antes de Sua ressurreição Ele padeceu, foi rejeitado e morto (Lc 9.22-23).A mensagem da cruz nunca foi uma mensagem agradável, pois para o judeu cruz era sinônimo de maldição, “porquanto o pendurado(no madeiro) é maldito de Deus” (cf. Dt 21.23) . Para os gregos adorar um Deus que foi morto como bandido, da pior espécie, só pode ser coisa de maluco (I Co 1. 18, 23). A cruz era motivo de zombaria dos primitivos perseguidores, mas como lembra o pastor inglês John Stott: “Entretanto, o que era odioso, até mesmo vergonhoso aos críticos de Cristo, aos olhos dos seus seguidores era muitíssimo glorioso”
[4].A igreja brasileira deve lembrar que Jesus Cristo não morreu na cruz para tornar crentes livres de infortúnios, mas sim, convida a cada uma carregar a sua cruz. Assim como os gregos que achavam loucura essa mensagem e os judeus que se escandalizavam, para muitos evangélicos de hoje, a mensagem da cruz é loucura, coisa de religioso. O problema para todos esses é que a mensagem da cruz é bíblica.
Referências Bibliográficas:
1- BONHOEFFER, Dietrich. Reflexões Sobre a Bíblia. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p 28.2- MARIANO, Ricardo. Neopentecostais.
2 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p 9.3- LUTZER, Erwin. Quem é Você Para Julgar? 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. p 83.4- STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Editora Vida, 2006. p 21.